Quarentena Feelings 3 - A pior ressaca de toda a história

Marcela Mazetto
4 min readJul 3, 2020

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Meu estômago arde. Sinto o esterótipo jornalista bêbada e ressaqueada batendo em minha porta.

Mais um dia de derrota, desses que não suporto olhar a luminosidade da tela do computador, tal qual sempre uso no mínimo. Ouso escrever isso sem óculos, tanto pela preguiça quanto pelo medo de como isso pode impulsionar mais uma revirada estomacal.

Assim como o ponteiro marca 23h, tenho 23 anos. Compreendo que ainda há muito para se viver, mas, quanto seria mais? Há pouco acordei e tive o pensamento de praxe de quem enfrenta a onda de bebedeira, desses em que a gente se pergunta o quanto merda é viver e o quanto ainda temos de enfrentar o famoso saco chamado vida.

Ressacas trazem à tona o pior de mim. Me lembram não somente da minha inutilidade, mas também de tantas outras péssimas escolhas que tomei movida ao álcool, me esforçando nas que consigo lembrar. Penso em quão incrível seria o congelamento alá Ripley. Gostaria que isso fosse possível.

Já não é a primeira vez que tomo consciência da necessidade de exclusão da bebida em minha vida, você sabe, tenho os genes do alcoolismo em meu sangue. Me reconforto pensando nas minhas atitudes adestradas ao se deparar com o pior de mim: as últimas mensagens do meu celular são para meu melhor amigo, que só me aguenta porque vive cerca de 4 mil quilômetros de mim. Graças as experiências, já superei a fase mensagens-para-romances-inexistentes-e-fracassados.

Sinto o vai e vem da cabeça. Reflito sobre a ressaca, também denominada para a enxurrada do mar. Até quando são tão semelhantes?

Minha cabeça pesa. Procuro qualquer música no YouTube em sua interface, na intenção de ocultar demais pensamentos, toda errada, toda do contrário, toda revirada.

Reflito sobre o estereótipo que tanto me é associado. A tal da doidinha. Foi assim que um possível crush (que já foi pelo ralo em menos de uma semana de papo) me reduziu. Me pergunto o que falei de errado, dou de ombros na mesma intensidade, acontece. Esse padrão beatnick ainda vai me matar, ou me levar além?

Identifico os padrões de furada, milhares de conversas profundas pela madrugada, dessas descartadas com um botão de excluir. O total abandono que a vida insiste em jogar na minha cara, me enfiando em relacionamentos horríveis e amores rasos.

Como em um beco e diante de toda a depressão que me é associado ao gosto de cachaça ainda presente na garganta, penso no futuro. Não gosto.

Sempre sofri com a ansiedade. Desde pequena, costumava enfrentar longas madrugadas mergulhadas em problemas dos quais não existiam. Sorrio no escuro pensando em como é fácil me deparar novamente na tristeza e solidão.

Costumo ter milhares de planejamentos, planos, tudo minunciosamente escrito diante de seus meios. No milagroso momento, não penso nisso, olho pela janela e encontro apenas a escuridão. Dramaticamente e de forma dúbia, associo à falta de planejamento. A palavra fracasso soa em minha cabeça.

No fundo New Radicals preenche meu fone, penso em como acho esse cara um babaca, mas silenciosamente, confesso ser um dos meus maiores Guilty Pleasures. Queria também entender porque em um sábado à noite permaneço sozinha, sem que a estrada venha até mim, sem a cerveja em minha mão (eca) e sem meu grande amor ao meu lado. Também me pergunto o que houve com Amelia Eahart.

Em tempos de pandemia até mesmo os amores de uma noite me são privados, daqueles em que você termina a noite chorando em uma cama desconhecida, tentando — literalmente e de modo figurativo — tapar o buraco de todas as maneiras possíveis. Rio de mim mesma e da minha capacidade de ser cômica diante da própria desgraça. Me lembro da última vez que isso aconteceu e suas características marcantes: Juliano, geminiano, cachorro com nome de super herói não sei qual, apartamento 201 (será?), cinco minutos da minha casa, Uber R$3,00. Rio desse desprendimento que não é meu.

Meu estômago revira de novo. Desde sempre as madrugadas me acolheram, tanto em meus lamentos infindáveis quanto nos momentos alegres. Penso em tudo que me trouxe até aqui, oscilo entre a aceitação e a confusão.

Paul McCartney domina minha cabeça e traz a tona minha teoria de que somos destinados um amor certeiro. Em sua terceira esposa, associo a minha podridão de escolha em relacionamentos com o dele. Mais uma vez, balanço a cabeça risonha com a comparação. Entre alguns milhões, doses cavalares de talento e capacidade de expressão, me identifico.

Já pertenci a tantos amores, braços, mentes e ao mesmo tempo, não pertenci a nada. When you gotta nothing, you gotta nothing to lose. A ideia de raízes não me agrada, mas parece sempre estar na esquina me espreitando, com seus olhos de soslaio, preparando sua próxima arapuca, tentando me convencer o contrário de minha natureza — talvez seja a hora de parar de me relacionar com signos de terra -, deixo anotado essa observação para me lembrar depois.

Releio o texto algumas vezes, tento fazer conexões jornalistas entre as ideias, de certo modo me permito a falta de padrão ou de racionalidade. Penso em maneiras de finalizar essa divagação. Tento lidar com o peso de milhares de pensamentos não definidos, desses que precisam de uma boa dose para retransmissão.

Talvez esse não seja o momento de investir na minha sobriedade. Não agora.

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Marcela Mazetto

Jornalista, feminista, emputecida e exercendo a expressão no limite (ou não).